segunda-feira, 11 de junho de 2012

AMO A POLÍCIA, A POLÍCIA NÃO ME AMA, DESABAFO POLICIAL

DESPEDIDA - Eric Márcio Fantin , Ex- Delegado de Polícia Civil

"Segue um texto que escrevi. Fui Delegado de Polícia Civil do último concurso. Saio em razão da falta de administração do Estado".
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Desde o dia 04.06.2012 não sou mais Delegado de Polícia, pois tomei posse no cargo de oficial de justiça federal. Pela primeira vez na vida saio triste de um trabalho. Não pelo cargo novo, pois este é um dos mais desejados do País e me possibilita qualidade de vida não disponível em outros trabalhos. Mas a Polícia vai me deixar saudades. Parece até um vício. Certa vez, um policial me disse: “Eu amo a Polícia, mas a Polícia não me ama”. Pura verdade.
Os servidores policiais, em sua quase totalidade (sempre há exceções), abdicam de uma vida tranquila para trabalharem em um dos empregos mais estressantes do mundo, mesmo sem nenhum reconhecimento por parte dos governantes ou sociedade. Pois bem, não resisti e tombei na batalha diária da vida policial. Cansei de perder noites de sono para ficar resolvendo briga de marido e mulher.
Cansei de brigar por soluções e essas nunca chegarem. Mas deixarei para falar dos problemas logo abaixo. Aqui quero apenas agradecer os honrados servidores com quem tive a satisfação de trabalhar. Não citarei nomes, pois os merecedores saberão entender. A todos os que me auxiliaram, fica o meu eterno agradecimento. Aconselho os leitores a pararem aqui e ficarem com as lembranças de meu agradecimento. Para quem quiser continuar, vamos aos problemas e possíveis soluções. VIATURAS É péssima a distribuição de viatura.
Delegacias do interior, em cidades cheias de estradas de terra, muitas vezes não possuem uma camionete. Enquanto isso, todas as vezes que vou até Porto Velho, vejo o monte destes veículos, tanto na Polícia Civil quanto na Militar. Ou seja, onde era para estarem as camionetes, estão carros “baixos”. Na minha inocência, entendo que isto possa ser resolvido, dentro da Polícia Civil, com uma simples decisão do Diretor Geral.
Certa vez um policial me disse que uma das delegacias de Porto Velho tinha uma camionete sendo usada apenas para fazer intimações, enquanto no interior os policiais passam seis meses atolando os carros nas linhas. Outro policial me disse que o contrato de locação previa que a maior parte das camionetes deveria ficar na capital, pois lá estragam menos, o que seria melhor para a empresa que fornece os veículos. Desejo não acreditar que isso seja verdade (mas tenho lá minhas dúvidas), pois se um administrador público assinou um contrato nestes termos, deveria responder uma ação de improbidade administrativa pelo imenso prejuízo que causou ao serviço público.
DISTRIBUIÇÃO DO EFETIVO
Olhando o todo, percebemos que faltam policiais civis. Entretanto, algumas cidades são extremamente privilegiadas. Geralmente ficam no eixo da BR-364 e são sedes de Delegacias Regionais. Enquanto nessas não há nem local para abrigar todos os servidores, as delegacias localizadas no interior de mais difícil acesso sofrem terrivelmente com a falta de policiais.
CRITÉRIO DE DISTRIBUIÇÃO DE EFETIVO E RECURSOS
Certa vez um Delegado muito antigo me disse que não adiantava diminuir o número de inquéritos tramitando na Delegacia, pois se fizéssemos isso, perderíamos servidores e recursos. Tornei a ouvir isso de um Delegado do último concurso. Isso é um absurdo! A Administração, que costuma adotar o número de inquéritos tramitando como parâmetro de divisão dos recursos (humanos e materiais), está promovendo a incompetência. O critério deve ser invertido, quanto mais diminuir os inquéritos, mais recursos a Delegacia deveria receber.
Na pior das hipóteses, deve ser adotado o número de ocorrências policiais, pois são mais difíceis de serem maquiados. A resolução deste problema é, ainda na minha inocência, muito simples, basta mudar o paradigma e fazer uma redistribuição de servidores e demais recursos dos locais onde estão sobrando para os locais onde estão faltando. Caso isso seja feito utilizando-se critérios objetivos, sem perseguição ou preferências, acho difícil alguém conseguir reverter uma transferência ex-ofício no Judiciário. Basta lembrar que o interesse público legítimo deve vir em primeiro lugar.
DESPERDÍCIO DO DINHEIRO PÚBLICO
Vou citar apenas um exemplo. Todo final de mês, as delegacias encaminham as folhas de pontos paras as Regionais que, por sua vez, levam até Porto Velho. São sete regionais, cada uma vai em um veículo próprio até Porto Velho. Ora, a viatura da Regional de Vilhena passa pela Regional de Cacoal, de Jí-Paraná e de Ariquemes (sem contar as outras cidades que não são sede de regional), logo, poderia muito bem pegar as folhas de ponto nessas regionais. São Miguel poderia deixar os documentos em Rolim de Moura, que, por sua vez, poderia deixar todos os documentos em Cacoal, local onde a viatura de Vilhena os pegaria. Só com isso já seriam economizadas as viagens de quatro ou cinco viaturas por mês.
O Estado economizaria combustível e o tempo de muitos servidores, que poderiam trabalhar em outras coisas. Isso tudo para melhorar esse sistema arcaico, pois nada impede que as folhas de ponto sejam digitalizadas e enviadas pela internet a um custo zero. O dinheiro economizado poderia ser revertido na manutenção dos péssimos prédios das Delegacias. Os defensores o sistema antigo dirão que cada Regional busca material em Porto Velho e que por isso cada uma delas precisa ir com sua própria viatura. Puro blá, blá, blá. Eu tenho tanta coisa para falar, mas vou parar por aqui para não arrumar mais inimigos. Um abraço a todos aqueles que não têm culpa nenhuma por toda essa bagunça, mas pagam o preço pelo descaso dos que deveriam administrar o Estado e não o fazem.
Eric Márcio Fantin , Ex- Delegado de Polícia Civil

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